A Lição da Caveira
Um príncipe, muito orgulhoso de sua realeza, foi certo dia cavalgar por seus domínios. Suas terras eram bastante vastas e ele cavalgou através de vales e montanhas. Andou por colinas e prados, gozando a vaidade de ser senhor de tão larga faixa de terra. A certa altura de seu caminho, viu um velho eremita, sentado diante de uma gruta. Trazia nas mãos uma caveira humana e a contemplava com atenção. O príncipe passou pela frente da gruta e ficou indignado por não ter o velho ao menos levantado os olhos para observar a rica caravana que acompanhava o príncipe. Rude e zombeteiro, aproximou-se a figura real e disse:
“Levanta-te quando por ti passa o teu senhor! Que podes ver de tão interessante nessa pobre caveira, que chegas a não perceber a passagem de um príncipe e seus poderosos acompanhantes? ”
O eremita ergueu para ele os olhos mansos e respondeu em voz clara e sonora:
“Perdoa, senhor. Eu estava procurando descobrir se esta caveira tinha pertencido a um mendigo ou a um príncipe. Por mais observe, não consigo distinguir de quem seja.
Nestes ossos nada há que me diga se a carne que os revestiu repousou em travesseiros de plumas ou nas pedras das estradas.
Não há na caveira nenhum sinal que me aponte, com certeza, se ela já carregou um chapéu de fidalgo ou se suportou o sol ardente, na rudeza dos trabalhos de camponês. Por isso, eu não sei dizer se devo levantar-me ou me conservar sentado diante daquele que em vida foi o dono deste crânio anônimo. ”
O príncipe baixou a cabeça e prosseguiu o seu caminho, sem mais nada dizer. Mesmo quando a noite chegou e ele retornou ao seu castelo, continuou pensativo. A lição da caveira lhe abatera o orgulho. Que são títulos, honrarias, riquezas ante a enfermidade e a morte?
A enfermidade, ao estabelecer o seu reino no corpo humano, nunca indaga se a criatura é detentora de poder e glória ou se é um simples alguém, perdido na multidão.
A dor, ao fazer morada no coração do homem, jamais se importa se ele tem posses ou se é alguém que simplesmente perambula pelas ruas, sem teto e sem lar. A morte, ao arrebatar a vida física, não faz distinção de contas bancárias, títulos financeiros ou bolsos vazios.
Considerações:
Uma das belezas do espiritismo é o aprofundamento que faz/sugere da compreensão e reflexão das nossas mazelas e procura despertar o desenvolvimento humano através do auto-conhecimento e da reforma íntima de cada um, desenvolvendo nossas virtudes.
O conto “A lição da Caveira” aborda uma das mazelas do ser humano, que é o orgulho. O orgulho é um grande inimigo do nosso desenvolvimento. Faz-nos criar fantasias ou aparências de bem-sucedido, poderoso, rico, inteligente. Coisas que a gente sabe que o nosso verdadeiro ser está longe de possuir.
Ao passo que a verdadeira grandeza do ser está no fato de se reconhecer a própria pequenez. Verdadeiramente grande é o ser que se sabe frágil, com possibilidade de errar. É o que luta por se manter nobre (nobreza do espírito).
Orgulho, definição segundo o Aurélio: “Sentimento de dignidade pessoal, conceito elevado ou exagerado de si mesmo”.
Definição da Doutrina Espírita: “Imperfeição espiritual que demonstra ausência de humildade”.
E na parábola de Jesus: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Entendemos que o Jesus falava dos simples de coração e a humildes de espírito. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, VII: 2)
São as pessoas que não querem ser o centro das atenções, que não buscam só o seu destaque individual, mas sim, trabalham para a coletividade. Os pobres de espírito são as pessoas que buscam a riqueza interior, deixando as aparências exteriores em segundo plano. E só o sentimento da humildade fará o homem reconhecer os seus erros e defeitos e a necessidade de melhoria interior.
A vida é essencialmente uma escola, e só cresce nesta escola aquele que combate o seu orgulho e o substitui pela qualidade indispensável ao aprendizado, que é fazer ao próximo o que se deseja para si mesmo. Isso ajudará o nosso espírito nesta vida, ao contrário do orgulho, que cristaliza o nosso ego na teimosia e na falsa grandeza, trazendo-nos, cedo ou tarde, o sofrimento. É necessário, portanto, reavaliar a nossa humildade.
Ser humilde não significa ser desprovido de bens materiais, mas ser capaz de aceitar a sua condição na escala evolutiva a que todos estamos sujeitos.
Ser humilde é ser capaz de aprender com pequenos gestos e estar sempre aberto a novos conhecimentos em prol da humanidade.
A humildade é capaz de construir caminhos que permitem o companheirismo sem interesses e egoísmo.
Ser humilde é reconhecer no outro o seu valor.
Sede humilde e conseguirás a sabedoria, pois ela é a fonte da inspiração a que todos buscamos nessa jornada.
Estejas sempre atento às atitudes grotescas que destroem a harmonia do seu ambiente no lar, escola, trabalho, etc.
Sejas humilde o suficiente para ensinar aquilo que um dia alguém teve a paciência de transmitir a você.
Quanto mais humilde, mais oportunidade de conhecimento terás e maior será a tua recompensa.
Quanto menos atenção darmos à humildade dentro de nós, mais orgulhosos vamos nos tornando. E o orgulho se materializa em preconceito.
O preconceito é uma praga que se alastra nas sociedades e vai deixando um rastro de prejuízos, tanto físicos como morais.
O preconceito de raça tem feito suas vítimas, ao longo da História da Humanidade.
Mas não é somente o preconceito racial que tem sido causa de infelicidade. Esse malfeitor também aparece disfarçado sob outras formas para ferir.
Por vezes, surge como defensor da religião, espalhando a discórdia e a maldade, o sectarismo e os ódios sem precedentes. Outras vezes apresenta-se em nome da preservação da raça, gerando abismos intransponíveis entre os filhos de Deus. Também costuma travestir-se de muro entre as classes sociais, fortalecendo o egoísmo, o orgulho, a inveja e o despeito.
Podemos percebê-lo, ainda, agindo como barreira entre a inteligência e a ignorância, disfarçado de sabedoria, impedindo que o mais esclarecido estenda a mão ao menos instruído.
O preconceito também costuma aparecer travestido de patriotismo, criando a falsa expectativa de supremacia nas mentes contaminadas pela soberba.
Como se pode perceber, o preconceito é um inimigo público que deveria ser combatido como se combate uma epidemia.
Essa chaga social tem emperrado as rodas do progresso e da paz.
Por essa razão, vale empreender esforços para detectar sua ação, sob disfarces variados, e impedir sua investida infeliz.
Começando por nós mesmos, vamos fazer uma autoanálise para verificar se o preconceito não está instalado em nosso modo de ver, de sentir, comandando nossas atitudes diárias.
Depois, extirpar de vez por todo esse mal que teima em nos impedir de viver a solidariedade e a fraternidade sem limites, como propôs o Mestre de Nazaré.
* * *
O Conto do Balão
Era uma tarde de domingo e o parque estava repleto de pessoas que aproveitavam o dia ensolarado para passear e levar seus filhos para brincar. O vendedor de balões havia chegado cedo, aproveitando a clientela infantil para oferecer seu produto e defender o pão de cada dia.
Como bom comerciante, chamava atenção da garotada soltando balões para que se elevassem no ar, anunciando que o produto estava à venda.
Não muito longe do carrinho, um garoto negro observava com atenção. Acompanhou um balão vermelho soltar-se das mãos do vendedor e elevar-se lentamente pelos ares.
Alguns minutos depois, um azul, logo mais um amarelo, e finalmente um balão de cor branca. Intrigado, o menino notou que havia um balão de cor preta que o vendedor não soltava. Aproximou-se meio sem jeito e perguntou:
Moço, se o senhor soltasse o balão preto, ele subiria tanto quanto os outros?
O vendedor sorriu, como quem compreendia a preocupação do garoto, arrebentou a linha que prendia o balão preto e, enquanto ele se elevava no ar, disse-lhe:
Não é a cor, filho, é o que está dentro dele que o faz subir.
O menino deu um sorriso de satisfação, agradeceu ao vendedor e saiu saltitando, para confundir-se com a garotada que coloria o parque naquela tarde ensolarada.
* * *
O preconceito é próprio dos orgulhosos. Todos os seres humanos são formados dos mesmos elementos. Têm as mesmas necessidades, como seja de comer, beber, dormir, amar e sonhar.
Não há, pois, motivo algum para que alguém se julgue mais importante ou superior a quem quer que seja.
A única superioridade que devemos perseguir, com ardor, é a superioridade moral.
Ela nos conferirá fraternidade, amor e justiça, afastando de nós todo preconceito, egoísmo e orgulho e nos elevará. A fraternidade é a chave que rompe as amarras que nos retém nas baixadas, quais balões cativos, e nos permite ganhar as alturas, elevando-nos acima das misérias humanas.
Para isso, lembremo-nos do vendedor de balões e ouçamos a sábia advertência da nossa própria consciência:
Não é a cor, nem a raça, nem a posição social, nem a religião, nem as aparências externas, é o que está dentro de você que o faz subir.
Redação do Momento Espírita com base no conto, O vendedor de balões, do livro As 100 mais belas parábolas de todo os tempos, de Alexandre Rangel, ed. Leitura.