(PASCAL – Genebra, 1860)
9 – O homem não possui como seu senão aquilo que pode levar deste mundo. O que ele encontra ao chegar e o que deixa ao partir, goza durante sua permanência na Terra; mas, desde que é forçado a deixá-los, é claro que só tem o usufruto, e não a posse real. O que é, então, que ele possui? Nada do que se destina ao uso do corpo, e tudo o que se refere ao uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Eis o que ele traz e leva consigo, o que ninguém tem o poder de tirar-lhe, e o que ainda mais lhe servirá no outro mundo do que neste. Quando um homem parte para um país longínquo, arruma a sua bagagem com objetos de uso nesse país e não se carrega de coisas que lhe seriam inúteis. Fazei, pois, o mesmo, em relação à vida futura, aprovisionando-vos de tudo o que nela vos poderá servir.
Acontece com o homem, quando chega ao mundo dos Espíritos: sua posição depende de suas posses, com a diferença de que não pode pagar em ouro. Não se lhe perguntará: Quanto tínheis na Terra? Que posição ocupáveis? Éreis príncipe ou operário? Mas lhe será perguntado: O que trazeis? Não será computado o valor de seus bens, nem dos seus títulos, mas serão contadas as suas virtudes, e nesse cálculo o operário talvez seja considerado mais rico do que o príncipe.
Verdadeira e inalienável propriedade
“A ninguém caberá dizer que uma coisa lhe pertence, quando lhe pode ser tirada sem o seu consentimento”.
Dizia Sócrates:
“Todo homem que ama a riqueza não ama a si mesmo, nem ao que é seu; ama a uma coisa que lhe é ainda mais estranha do que o que lhe pertence.”
O fundo do pensamento do célebre filósofo grego expressa uma insofismável realidade: o que de fato é – inalienavelmente – nosso, é o que nos é dado levar deste mundo, quando daqui saímos.
Afinal, o que na realidade nos pertence?
Socorramo-nos das informações prestadas por Pascal no Terceiro Livro Básico da Codificação: (2)
“Do que o homem encontra ao chegar e deixa ao partir goza ele enquanto aqui permanece. Forçado, porém, que é a abandonar tudo isso, não tem das suas riquezas a posse real, mas, simplesmente, o usufruto. Que é então o que ele possui? Nada do que é de uso do corpo; tudo que é de uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Isso o que ele traz e leva consigo, o que ninguém lhe pode arrebatar, o que lhe será de muito mais utilidade no outro mundo do que neste. Depende dele ser mais rico ao partir do que ao chegar, visto como, do que tiver adquirido em bem, resultará a sua posição futura.”
Um Espírito Protetor, observando a ânsia de posse das criaturas assinalou(3)
“Quando considero a brevidade da Vida, dolorosamente me impressiona a incessante preocupação de que é para vós objeto o bem-estar material, ao passo que tão pouca importância dais ao vosso aperfeiçoamento moral, a que quase nenhum tempo consagrais e que, no entanto, é o que importa para a Eternidade. Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados em conta os cuidados e os esforços que despendeis movidos pelo egoísmo, pela cupidez ou pelo orgulho, enquanto negligenciais do vosso futuro? Seria essa a finalidade da existência que Deus vos outorgou?”
Conta história que, seiscentos anos antes do advento do Cristo, reinava na Lídia, um dos países mais prósperos e mais civilizados da Ásia, o rei Creso, famoso por seu luxo e opulência.
Uma vez, recebeu a visita de um sábio grego chamado Solon. Creso o recebeu muito bem, e, vaidoso, mostrava-lhe – com orgulho – suas obras de arte, a suntuosidade de seu palácio e seus inúmeros e raros tesouros.
O rei, acostumado a ser incensato por seus vassalos e turiferários, querendo provocar elogios para enaltecer-se, perguntou ao sábio (já contando certo que a resposta o apontaria):
– Tu, Solon, que conheces muitos países, poderás dizer-me quem é o mais ditoso dos homens?
– Bem , senhor, de todos os homens que conheci, os mais ditosos foram três cidadãos gregos, pobres, que viviam do trabalho de suas mãos, honestos, caridosos, de vida pulcra, sem jaça, um exemplo, aliás, para todos nós…
– Ora, Solon, pensei que iria mencionar o nome de algum rei glorioso e riquíssimo e tu me apontas três desconhecidos pobretões?!… Não me julgas feliz, então?
A resposta de Solon, merece ser lida e entendida com muito cuidado, vez que serve para todos nós. Foi a seguinte:
– “Não se deve louvar o dia antes da entrada do Sol, e não se pode chamar verdadeiramente feliz a ninguém, enquanto ainda está vivendo na Terra. A fortuna é muito instável, e gosta de abandonar muitos dos que tem favorecido, e humilhar os que tem exaltado.”
Passaram-se os anos, durante os quais houve notáveis acontecimentos políticos e reviravoltas do poder, e o rei Creso perdeu a guerra que ele mesmo iniciara contra Ciro, rei da Pérsia, que o aprisionou e condenou à pena máxima.
Já estava Creso atado a um pau, para ser queimado vivo, quando exclamou três vezes em alta voz: “Ó Solon!” Perguntou-lhe Ciro o que significava essa exclamação. Então, contou-lhe Creso da visita de Solon e como o sábio não quisera chamá-lo ditoso, apesar das enormes riquezas e grande poder, de que naquele tempo gozava, e como lhe advertira de que a fortuna era instável. – “Agora vejo que o sábio grego teve plena razão” – acrescentou o infeliz condenado.
Ciro, ouvindo as palavras de Creso, ficou comovido e ordenou que soltassem imediatamente o rei vencido; revogou a sentença e conservou Creso livre em sua corte. Sem dúvida, tornou-se-lhe claro, naquele momento, que também a sua sorte não era tão garantida, que não pudesse virar-se contra ele.
E realmente, depois de muitos anos de prosperidade, após muitas guerras vitoriosas, o destino entregou-o a um povo bárbaro da Citia, cuja rainha Tomíris, vendo-o caído em suas mãos como prisioneiro, mandou decapitá-lo, mergulhando-lhe, empós, a cabeça num vaso cheio de sangue humano, exclamando: – “Ciro, sacia-te desse sangue, de que sempre foste sedento”.
Querendo Possuir Sempre Mais
O homem jamais será feliz por ser rico ou possuir muitos bens. Não é que ser rico ou ter muitas coisas seja errado ou contrário às leis de Deus, mas o desejo de ter sempre mais é que é prejudicial.
Enquanto pensarmos que quanto mais se tem é melhor, seremos infelizes por estarmos escravizados à posse de bens materiais.
É interessante observarmos que a maioria das pessoas quando alcança um objetivo material, começa a sonhar e a desejar insaciavelmente outro bem, às vezes de maior valor.
Nunca estamos satisfeitos com o que temos e raras vezes agradecemos a Jesus a bênção por tudo o que já possuímos. É lógico que temos sempre que trabalhar para melhorar nossa vida e nossa condição social. É da lei de progresso que procuremos melhorar sempre.
Entretanto, o que temos que evitar é de sermos possuídos por aquilo que sempre estamos sonhando em possuir. Isso pode nos trazer frustração e infelicidade.
Aprendamos a dar mais valor à nossa verdadeira propriedade que consiste nos bens da alma, que são a inteligência, os conhecimentos e as qualidades morais.
O homem cristão sabe que se possuir somente bens materiais, não levará nada consigo quando deixar o corpo físico.
Não tem portanto a posse real desses bens materiais sendo por isso apenas usufrutuário.
No plano espiritual, a moeda corrente é a caridade, ou seja, todo benefício realizado em favor do próximo.
Pense nesta verdade: O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo, somente aquilo que o acompanhará quando deixar seu corpo físico.
Uma propriedade só é legítima quando da sua aquisição, não resulta dano para ninguém pois contas nos serão pedidas de todo dinheiro mal ganho.
Que possamos trabalhar sem, contudo, deixarmos ser possuídos por esses bens transitórios. Nunca esquecermos de que, no que concerne à soma de virtudes, pode o operário ser mais rico que o príncipe.